A obesidade e o papel dos micro-organismos intestinais: uma nova perspectiva

Uma recente pesquisa da Universidade de Yale revela uma conexão inédita entre obesidade e as alterações na microbiota intestinal.

Publicado 30/10/2023 às 16:28 por Alex Torres

Microbiota intestinal e a obesidade: uma ligação inesperada

Por muito tempo, a obesidade tem sido associada a alterações em nossos micro-organismos intestinais – uma enorme população de trilhões de pequenas criaturas que habitam nossos intestinos. Ainda assim, o mecanismo exato por trás dessa relação permaneceu obscuro. A nova pesquisa da Universidade de Yale, publicada na renomada revista Nature, esclarece esse mistério.

O Dr. Gerald I. Shulman, Professor de Medicina George R. Cowgill, e sua equipe de pesquisadores na Universidade de Yale realizaram uma série de experimentos em modelos roedores de obesidade para entender mais sobre o papel do acetato, um ácido graxo de cadeia curta que, conforme observado em estudos anteriores, estimula a secreção de insulina.

Acetato: a peça-chave no quebra-cabeça

A equipe de pesquisa comparou o acetato com outros ácidos graxos de cadeia curta e descobriu que os animais que consumiram uma dieta rica em gordura apresentaram níveis mais altos de acetato. Eles também observaram que infusões de acetato estimulavam a secreção de insulina pelas células beta no pâncreas, mas o mecanismo exato ainda não estava claro.

Os pesquisadores então descobriram que, quando o acetato era injetado diretamente no cérebro, ele desencadeava um aumento de insulina, ativando o sistema nervoso parassimpático. O acetato, portanto, estimula as células beta a secretarem mais insulina em resposta à glicose através de um mecanismo centralmente mediado. Além disso, também estimula a secreção dos hormônios gastrina e grelina, que levam ao aumento da ingestão de alimentos.

Estabelecendo uma relação causal

Por fim, a pesquisa buscou estabelecer uma relação causal entre a microbiota intestinal e o aumento da insulina. Após a transferência de matéria fecal de um grupo de roedores para outro, eles observaram mudanças semelhantes na microbiota intestinal, nos níveis de acetato e na insulina.

“Esses experimentos, em conjunto, demonstram uma relação causal entre alterações na microbiota intestinal em resposta a mudanças na dieta e aumento da produção de acetato”, explicou Shulman. O aumento de acetato, por sua vez, leva ao aumento da ingestão de alimentos, criando um ciclo de feedback positivo que impulsiona a obesidade e a resistência à insulina.

Os autores do estudo sugerem que este ciclo de feedback positivo pode ter desempenhado um papel importante na evolução, incentivando os animais a acumular gordura quando se deparam com alimentos caloricamente densos em tempos de escassez.

Implicações e considerações

“Alterações na microbiota intestinal estão associadas à obesidade e à síndrome metabólica, tanto em humanos quanto em roedores”, observou Shulman. “Neste estudo, proporcionamos um novo mecanismo para explicar esse fenômeno biológico em roedores, e agora estamos investigando se esse mecanismo se aplica aos seres humanos”.

Terapias Potenciais: A Importância do Acetato

a row of jars filled with liquid sitting on top of a wooden shelf

Além de esclarecer o mecanismo por trás da relação entre a microbiota intestinal e a obesidade, a pesquisa da Universidade de Yale também abre caminho para novas abordagens terapêuticas. A manipulação dos níveis de acetato, seja através de dieta, probióticos ou até medicamentos, pode oferecer uma estratégia promissora para controlar a obesidade e doenças metabólicas associadas. Estudos em fases iniciais já estão explorando como a redução dos níveis de acetato pode afetar a secreção de insulina e a ingestão alimentar, com resultados preliminares mostrando uma diminuição na resistência à insulina e no ganho de peso.

Implicações sociais e políticas: o papel da indústria alimentícia

O estudo também levanta questões sobre o papel da indústria alimentícia na epidemia de obesidade. Alimentos processados, muitas vezes ricos em gorduras e açúcares, podem alterar a microbiota intestinal e, consequentemente, os níveis de acetato. Isso sugere que políticas públicas, como taxação de alimentos pouco saudáveis e rotulagem nutricional mais clara, podem ser ferramentas eficazes para mitigar os efeitos deletérios desses alimentos na saúde pública. O entendimento dos mecanismos bioquímicos por trás da obesidade poderia fortalecer argumentos para uma regulação mais rigorosa da indústria alimentícia, potencialmente levando a uma redução nas taxas de obesidade e doenças relacionadas.

A pesquisa foi financiada pelo Howard Hughes Medical Institute, National Institutes of Health e Novo Nordisk Foundation Center for Basic Metabolic Research, University of Copenhagen. Outros autores do estudo incluem Rachel J. Perry, Liang Peng, Natasha A. Barry, Gary W. Cline, Dongyan Zhang, Rebecca L. Cardone, Kitt Falk Petersen, Richard G. Kibbey e Andrew L. Goodman.

Referência: “Acetate mediates a microbiome-brain-β-cell axis to promote metabolic syndrome” by Rachel J. Perry, Liang Peng, Natasha A. Barry, Gary W. Cline, Dongyan Zhang, Rebecca L. Cardone, Kitt Falk Petersen, Richard G. Kibbey, Andrew L. Goodman and Gerald I. Shulman, 9 June 2016, Nature.

DOI: 10.1038/nature18309

Empregamos cookies indispensáveis e tecnologias correlatas, conforme nossa Política de Privacidade. Ao prosseguir com a navegação, você expressa seu consentimento com tais termos. Politica de Privacidade