Migingo, a ilha no Lago Vitória a mais populosa do planeta

Em Migingo, Quênia e Uganda disputam uma rocha de 200 m² no Lago Vitória, enquanto 1.000 moradores pescam, fazem negócios e convivem sob regras próprias.

Atualizado 06/09/2025 às 22:16 por Viviane Grecilo Torres

No coração do maior lago da África, uma rocha habitada por mais de 1.000 pessoas virou símbolo de tensão e cooperação. A ilha Migingo fica colada à fronteira entre Quênia e Uganda, situação que alimenta reivindicações e rumores de conflito. Entretanto, pescadores seguem chegando em busca de oportunidades.

A geografia turva deriva de fronteiras coloniais traçadas pela Inglaterra, muitas vezes em linhas retas e imprecisas. Assim, mapas colocam Migingo perigosamente próxima de limites que também evocam a Tanzânia. Por outro lado, moradores insistem: “Migingo pertence ao Quênia”. E afirmam que os peixes não reconhecem fronteiras.

Rota, travessia e a chegada sob vigilância

O roteiro começa em Nairóbi e avança até Kisumu, às margens do Lago Vitória. Depois, a equipe encara quatro horas de estrada e, em seguida, cerca de duas horas de barco. Entretanto, ondas altas e relatos de piratas vindos de Uganda elevam a tensão durante a travessia.

Ao anoitecer, policiais quenianos mandam desligar câmeras, conduzem o grupo de volta ao barco e redirecionam todos para uma “ilha de segurança” vizinha. Ali, líderes quenianos e ugandenses controlam entradas e saídas. Para pisar em Migingo, visitantes pagam US$ 250, quantia dividida entre as lideranças locais.

Uma rocha superpovoada e cheia de vida

Migingo mede cerca de 200 metros quadrados, algo como metade de um campo de futebol. Ainda assim, a rocha ferve noite adentro, com DJ, restaurantes, supermercados e pousadas que se autodenominam “executivas”. Além disso, moradores sobrevivem sob tempestades constantes e guardam coletes salva-vidas ao alcance.

No cotidiano, peixe com batatas fritas domina o cardápio. Há setores separados para banho de homens e mulheres, e um salão de bilhar anima o convívio. Por fim, armadilhas luminosas cercam a ilha e atraem cardumes, enquanto o barulho do vento lembra que o lago dita o ritmo da comunidade.

Ofícios, serviços e apelidos de fronteira

As casas de metal corrugado coladas entre si renderam o apelido de “tartaruga flutuante”. Sanga, cujo nome em inglês significa “caça”, lava e passa roupas para vizinhos. Além disso, uma “praia de Uganda” recebe barcos para conserto, com garagem de manutenção improvisada. Tudo gira em torno da pesca.

Em frente, uma ilha apelidada de “Tanzânia” permanece desabitada por ser muito íngreme, segundo moradores. No entanto, lideranças locais garantem que as três ilhas ficam no Quênia. E detalham: a fronteira de Uganda corre a apenas 500 metros dali, o que reforça a tensão diária.

Economia da pesca: do Lago Vitória ao mercado global

O Lago Vitória, batizado em homenagem à Rainha da Inglaterra, alimenta o Rio Nilo, que nasce ali e simboliza a “linha da vida” de Egito e Sudão. Por isso, a pesca atrai trabalhadores que cruzam longas distâncias até Migingo em busca de grandes cardumes.

O grande peixe do Nilo guia esse movimento. Exportado por milhões de dólares, ele viu o preço crescer 50% nos últimos anos e alcançar cerca de US$ 300 por quilo no mercado internacional. Assim, a disputa pela rocha faz sentido: quem controla Migingo, aproxima-se do peixe.

Regras próprias e convivência transfronteiriça

Quenianos e ugandenses vivem lado a lado e, há cerca de 15 anos, erguem negócios, famílias e rotinas. Casamentos mistos são comuns, e a palavra “vizinhos” ecoa em árabe, “jeeran”, e em swahili, “jeerani”. Entretanto, lembranças de brigas persistem, sobretudo de quase 10 anos atrás.

Hoje, a ilha opera com leis comuns criadas pelos próprios moradores. Não seguem estritamente normas de Quênia, Uganda ou Tanzânia. Além disso, a circulação entre as ilhas dispensa visto, prática que muitos definem como “comunidade africana” funcionando na base do acordo local.

Segurança, incidentes e personagens

Relatos de piratas que partem de Uganda circulam entre pescadores, enquanto a polícia marítima marca presença. Um oficial sênior atua na área, e um motorista do Congo conduz operações com experiência. Entretanto, imprevistos acontecem: um barco desapareceu durante a noite, sem pista do país onde foi parar.

O caso foi registrado na delegacia local, em meio a brincadeiras sobre “casar e morar ali” por falta de saída. Entre as histórias, destaca-se Abdulrahman, empresário somali e muçulmano, e o coro de que todos ali tocam algum negócio. Por fim, a consigna é clara: cada um empreende para ficar.

Nomes, distâncias e travessias

Da partida em Kisumu até o desembarque, a estimativa fala em atravessar algo como 26 km de água, sob ventos fortes. Entretanto, moradores minimizam a jornada quando o peixe aparece. Depois, a multidão de barcos atraca, descarrega e corre para as oficinas, antes de recomeçar a ronda noturna.

Ao fim, Migingo sintetiza a contradição entre burocracias nacionais e a lógica do lago. A rocha abriga uma economia pulsante, unida por acordos domésticos e pela pesca que ignora linhas no mapa. Entretanto, a atenção de Quênia e Uganda segue latente a poucos metros de distância.

Enquanto o peixe do Nilo sustentar preços altos, a ilha continuará estratégica. Assim, moradores tentarão preservar a paz prática que permite aos barcos chegar, consertar e partir. Por outro lado, cada nova noite no Lago Vitória lembrará que, ali, o tempo corre ao ritmo do vento e dos cardumes.

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