Amapá à margem: a ponte de 406 m que falta ao Brasil
Sem ligação terrestre, o Amapá espera há duas décadas a ponte do rio Jari. Dados, cronologia e impactos de um isolamento que custa caro ao Brasil.
Quem dirige no país enfrenta um impasse ao alcançar o Amapá. Não existe estrada nem ponte que permita sair de carro para o restante do Brasil; apenas barco ou avião. Além disso, a travessia Macapá–Belém leva cerca de 26 horas, enquanto passagens aéreas superam R$ 1.000.
O paradoxo cresce porque uma ligação de 406 m resolveria a fronteira interna. Anunciada em 2002, a ponte sobre o rio Jari nunca saiu do papel. Desde então, promessas e atrasos comprimem a economia, encarecem produtos e alongam distâncias no cotidiano amapaense.
Um estado cercado por rios e promessas
O Amapá soma pouco mais de 730.000 habitantes em cerca de 142.000 km², com Macapá concentrando mais da metade da população. Criado em 1988, o estado vive entre águas e floresta. Ao leste está o rio Amazonas; ao sul, o Jari; ao oeste, o rio Oyapoque, fronteira com a Guiana Francesa; ao norte, o Atlântico.
A floresta cobre 72% do território e impõe desafios, porém a decisão política pesou mais. A BR156 começou em 1932, totaliza 823 km e ainda mantém mais de 100 km sem asfalto. Em chuva, trechos viram lama. A rodovia liga Laranjal do Jari a Oiapoc, mas sem a ponte do Jari a conexão nacional não acontece.
Em 2017, surgiu um elo internacional: a ponte binacional entre Oiapoc e São Jorge, na Guiana Francesa. Entretanto, o trânsito exige passaporte e inspeção alfandegária. Além disso, não existe rodovia contínua a partir dali, e a Guiana não tem ligação por estrada com o Surinami.
A ponte do rio Jari, cronologia e impasses
Promessa de 2002 e o canteiro parado desde 2004
O governo anunciou em 2002 a ponte de 406 m para ligar Laranjal do Jari a Monte Dourado, no Pará. Em tese, a travessia duraria cinco minutos. Houve convênio com o então Ministério das Cidades e a construtora iniciou trabalhos. Até 2004, equipes executaram 39% da obra e fincaram 12 pilares; a prefeitura então paralisou tudo por esgotamento de recursos e falhas de execução.
Auditoria, riscos e a década seguinte
Em 2009, auditoria da CGU revelou gastos de aproximadamente R$ 4,5 milhões sem comprovação e indícios de fraude na licitação, após mudança do local de abertura das propostas que resultou em participação de uma única empresa. Enquanto isso, balsas seguem manobrando entre pilares, com registros de colisões e danos materiais.
Recursos de 2024 e a espera que continua
Em 2024, o Amapá incluiu a retomada da BR156 e a finalização da ponte do Jari no novo PAC, dentro de um orçamento total de 28 bilhões para seis grandes eixos estruturantes. O pacote prevê pavimentar trechos pendentes e desbloquear travas técnicas e legais. Porém, o canteiro continua sem movimento e a travessia segue por balsa.
Economia em marcha lenta
Isolado por decisão e geografia, o Amapá responde por apenas 0,2% do PIB nacional. O estado detém biodiversidade valiosa e potencial energético, mineral e turístico. No entanto, custos logísticos altos e rotas frágeis limitam investimentos, atrasam entregas e inflacionam da cesta básica aos combustíveis.
A base produtiva local gira em torno do extrativismo vegetal, da pesca, da mineração de manganês, do comércio e dos serviços públicos. Consequentemente, 93% dos municípios têm a administração pública como principal atividade econômica. Essa dependência consolida a “economia do contra-cheque” e esvazia a geração de riqueza privada.
Para reverter o quadro, a Zona Franca Verde surgiu em 2014 com incentivos a produtos florestais e cadeias sustentáveis. O Amapá tem matéria-prima: açaí, castanha, óleos vegetais, madeira de manejo controlado, bioativos, pescados, artesanatos e cosméticos. Porém, quando o frete supera o lucro, projetos não prosperam.
O contraste com o Pará é elucidativo. Estados vizinhos compartilham florestas e rios extensos, mas o Pará integrou-se melhor ao resto do Brasil. Lá, rodovias federais estruturam ligações terrestres, a logística fluvial opera com maior previsibilidade e a circulação de cargas ocorre com menos sobressaltos.
Cotidiano de quem não pode esperar
A saída por água entre Macapá e Belém leva cerca de 26 horas, sem conforto e com imprevisibilidade climática. Já o avião encurta o tempo, mas encarece a vida: ida e volta para Belém ou Brasília supera R$ 1.000 e, em alta demanda, custa mais que voar para outro país da América do Sul.
- 1. Preços de alimentos e combustíveis sobem com o frete e a demora.
- 2. Prazos de entrega se alongam, e serviços essenciais atrasam.
- 3. Investimentos privados retraem por risco e baixa previsibilidade.
- 4. Segurança na navegação sofre com pilares inacabados e clima.
O que precisa mudar agora
A prioridade é concluir a BR156 e erguer a ponte do rio Jari. Para isso, gestores devem fixar cronograma vinculante, publicar contratos com transparência e reforçar fiscalização. Além disso, Amapá, Pará e União precisam coordenar engenharia, sinalização e integração logística para redução imediata de riscos.
Com o novo PAC de 2024, há janela financeira e técnica para avançar. A sociedade pode cobrar metas e prazos; a imprensa deve manter o tema em pauta. Por fim, liderança política séria substitui palanque. Sem a obra, nenhum plano ambiental ou produtivo ganhará escala.
O Amapá não pede privilégio; reivindica o básico que qualquer brasileiro considera direito: conexão eficiente. Desse modo, um trecho de 406 m virou sinônimo de abandono prolongado. Ao encarar o problema com planejamento e vontade, o país reconecta centenas de milhares de cidadãos ao seu próprio mapa.
O Brasil já sabe como construir pontes. Resta cumprir a mais óbvia, que liga Laranjal do Jari a Monte Dourado e integra o Amapá ao país. Entretanto, cada dia perdido mantém a economia travada e a vida cotidiana mais cara.